Do fim da bossa nova ao reinado de Poze: Uma tragédia em três atos

 

A Bossa Nova morreu. E não foi de velhice, nem de causas naturais. Foi assassinada, brutalmente, e sem direito a um último acorde de Tom Jobim. Se antes tínhamos a melodia sofisticada de “Garota de Ipanema”, hoje temos “Me Sinto Abençoado” tocando nos fones de ouvido dos jovens enquanto eles praticam parkour na laje.

A culpa não é de ninguém, ou talvez seja de todo mundo. A verdade é que, em algum momento entre o último solo de João Gilberto e a primeira corrente de ouro do Poze, o Brasil decidiu trocar os acordes dissonantes pela dissonância total.

Ato 1 – O Balanço Acaba, O Baile Começa

A Bossa Nova já estava na UTI havia anos, respirando por aparelhos enquanto um DJ de funk trocava as seringas de soro por latas de energético. O que era um movimento sofisticado, de letras poéticas e ritmo suave, foi sendo engolido por uma nova estética: a do chinelo Rider, do paredão de som e do conceito filosófico de “cabuloso”.

O samba-canção perdeu espaço para o mandrake, e os intelectuais que antes analisavam a harmonia complexa de “Desafinado” agora tentam decifrar o significado da expressão “poucas ideias”.

Ato 2 – A Nova Ordem Musical

No início, a transição foi sutil. O Brasil, sempre generoso, permitiu que todos convivessem pacificamente. Chico Buarque ainda lançava álbuns para um público cada vez menor, enquanto Mc Poze começava sua ascensão ao trono, movido a “corte” e “luz, câmera, ação”. Mas um dia, o funk não pediu licença – ele chegou derrubando a porta e instalou seu reinado absoluto.

Ninguém mais queria cantar sobre o Corcovado, o mar de Ipanema ou o amor idealizado. O que importava agora era o Pix caindo na conta, os “moleque doido” e a ascensão do “trem bala do RJ”. E sejamos honestos: é muito mais fácil entender “tá ligado, né, tropa?” do que passar três dias tentando interpretar a poesia existencial de Vinicius de Moraes.

Ato 3 – O Legado do Novo Rei

Mc Poze não só tomou o trono, como fez questão de colocar um som 808 no lugar do hino nacional. Ele não é apenas um cantor, é um mito moderno, um ícone que conseguiu algo que nem João Gilberto sonhou: conectar a alta cultura (entenda-se: empresários de festa) com a baixa cultura (entenda-se: o resto de nós).

Afinal, ele não precisa de metáforas complicadas para emocionar seu público. Sua lírica dispensa floreios e atinge diretamente a alma da nação. Enquanto os antigos poetas falavam de saudade e melancolia, Poze nos lembra diariamente da importância do “é o trem bala do RJ, porra”.

E assim, o Brasil segue. A Bossa Nova, com seu violão tímido, se despediu de fininho. E em seu lugar, Poze reina absoluto, com uma corrente pesando mais que a responsabilidade de pagar boletos no final do mês.

Se isso é bom ou ruim, só o tempo dirá. Mas uma coisa é certa: na disputa entre a melancolia refinada e o “amassando a tropa”, o segundo sempre vencerá.

Tuntter
Angry
2
ترقية الحساب
اختر الخطة التي تناسبك
إقرأ المزيد